do tratado da reforma da inteligência

"tudo o que acontece na vida ordinária é vão e fútil ....As coisas que mais frequentemente ocorrem na vida, estimadas como o supremo bem pelos homens, a julgar pelo que eles praticam, reduzem-se, efetivamente, a estas três, a saber, a riqueza, as honras e o prazer dos sentidos. Com estas três coisas a mente se distrai de tal maneira que muito pouco pode cogitar de qualquer outro bem. ... Assim, parecia claro que todos esses males provinham disto – que toda felicidade ou infelicidade reside numa só coisa, a saber, na qualidade do objeto ao qual nos prendemos pelo amor. De fato, nunca surgem disputas por coisas que não se ama; nem há qualquer tristeza se as perdemos; nem inveja, se outros a possuem;nenhum ódio e, para dizer tudo numa palavra, nenhuma pertubação da alma (animus). Ao contrário, tudo isso acontece quando amamos coisas que podem perecer, como são aquelas que acabamos de falar. Mas o amor das coisas eternas e infinitas nutre a alma de puro gozo, isento de qualquer tristeza..."

quarta-feira, 7 de maio de 2008




Não sei se é do conhecimento dos leitores e dos visitantes do blog minha primeira publicação, pela editora Movimento, datada de dezembro de 2007, sob o título "Tramas de Orvalho". Ofereço a todos os versos que, cuidadosamente, ali constam e, a respeito, aí vai a impressão de outro poeta e leitor atento, Aldo Guido Votto, ao receber meu livro:



"Cara poeta,


Acabo de acabar, pela primeira vez, uma leitura do livro que gentilmente me presenteaste.


Caso fosse instigado a eleger um substantivo para sintetizar a poética das tuas "Tramas de Orvalho", muito provavelmente, optaria pelo abstrato 'modéstia'. E logo percebi, que, embora de súbito, teria combinado minhas impressões desta primeira leitura com as três acepções que o velho mestre Aurélio registro para o termo. Senão vejamos:


1. Ausência de vaidade, despretensão, desambição, simplicidade.


Embora não seja possível uma ausência total de vaidade em quem se expõe escrevendo e publicando, a pequena proporção deste sentimento na motivação do teu livro aparece já na capa evidenciada pela opção pelos tons escuros, a imagem em segundo plano sugerida mais que mostrada, e a silhueta das poucas libélulas e suas asas transparentes, como a porção viva do cenário inerte, em vez do esplendor de formas e exuberância de cores das borboletas.


Depois, o próprio título segue afirmando a simplicidade. Para quem já saboreou o poético da cena bucólica e matinal das teias de aranhas, invisíveis nas outras horas do dia, reveladas pelas gotículas do sereno absorvidas pelos fios deixados nos caminhos naturais de possíveis presas, salta o sentido transmutado pela tua autoria em 'tramas de erotismo'. E com quatro versos e oito palavras concedes ao leitor o direito de construir a descrição de uma sedução que se consuma na manhãzinha, inda que esta, eventualmente, não tenha sido tua intenção original, como tantas vezes ocorre com quem escreve.


2. Reserva, pudor, decência, gravidade, compostura.


Assim, me pareceu circunstância toda tua verve, mas em especial, aquela porção dirigida ao encontro de pares, ao amor erótico. Neste tema, embora perceptível a perplexidade prazerosa da vivência pessoal desta pulsão que todas as artes celebram ao longo dos séculos, da 'ânsia da vida por si mesma', toda a declaração é feita através de um cortinado, todo o manifesto é pouco mais que silencioso: o 'tsunâmi' está lá, apontado, mas não descrito.


3. Moderação, sobriedade.


O teu estilo de apontar o poético, sem sobrecarregá-lo de muitas qualificações, virtudes ou defeitos que sejam, de novo, concede o privilégio do acabamento ao leitor e é uma afirmação da moderação e da sobriedade.


Muito de beleza, muitíssimo do poético escondido no dia-a-dia, no detalhe, nos pequenos objetos, nas práticas mais prosaicas, está apontado, sugerido, exposto sem excesso de debrum ou exagero de pesponto, por ti no caderno 'o lugar'. Meu momento inestimável de leitor é a tua apropriação do verbo 'quarar'. A sonoridade e a impossibilidade de qualquer polissemia são um presente modesto, moderado e sóbrio ao leitor-co-autor das tuas 'Tramas...'. Para que tenhas uma idéia da idéia que me veio a respeito desta moderação, segue aí uma paráfrase, num estilo de mesmo sentido, mas direção oposta:



janela verde.


brilho branco.


dormem na relva


o organdi e a alpaca,


a flanela e o brim,


a casimira e o cetim,


a pelúcia e o percal,


a sarja e o fustão,


a cambraia, o algodão,


e o linho,


que relva já não é


e agora quara


para agarrar


o branco brilho


outra vez.



Isto é, possivelmente sobra texto para tentar emitir uma mensagem semelhante...


Bem, cara poeta, se me tivesses pedido uma sugestão para o teu segundo livro, penso que teria algo a ver com estas últimas reflexões. No meu caso espero que já tenhas recebido minha remessa do "Quatro Nomes", pensaria num segundo livro de mesmo sentido, mas direção oposta: mais modéstia e menos vaidade!!! E no teu, desculpa a ousadia, sugeriria exatamente o contrário: menos modéstia e mais exagero!!!


Obrigado pela satisfação em poder compartilhar contigo estes momentos de poesia.


Um grande abraço,


Aldo"



Nem preciso dizer o quanto feliz fico.


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