Dia desses me deparei na Feira do Livro com uma publicação da L&PM, um livro de crônicas do nosso poeta Affonso Romano de Sant'Anna, Tempo de delicadeza, em que trata, delicadamente, de temas corriqueiros da vida com o olhar único de poeta. Trouxe pra casa e tenho desfrutado com prazer dos textos que ali encontrei. Dentre eles, o que traz o nome do livro e crônica de abertura, Tempo de delicadeza, fala da necessidade de sermos urgentemente delicados, diante da violência, da velocidade, da rudeza que vem tomando conta do nosso cotidiano. O poeta cita, segundo suas próprias palavras, "nosso sedutor e exemplar Vinícius, que há vinte anos nos deixou, delicadamente", que era um profissional da delicadeza e que, na sua Elegia ao primeiro amigo, disse:
mato com delicadeza. faço chorar delicadamente
e me deleito. inventei o carinho dos pés; minha alma
áspera de menino de ilha pousa com delicadeza sobre
um corpo de adúltera.
na verdade, sou um homem de muitas mulheres, e com
todas delicado e atento.
se me entediam, abandono-as delicadamente,
despreendendo-me delas com uma doçura de água.
se as quero, sou delicadíssimo; tudo em mim
desprende esse fluido que as envolve de maneira
irremissível
sou um meigo energúmeno. até hoje só bati numa
mulher
mas com singular delicadeza. não sou bom
nem mau: sou delicado. preciso ser delicado
porque dentro de mim mora um ser feroz e fratricida
como um lobo.
Encontrei nesse poema uma verdade singular, traduzida por Affonso com maestria: porque somos ferozes precisamos ser delicados. E que sejamos, então, delicados. Se necessário for, cruelmente delicados.