do tratado da reforma da inteligência

"tudo o que acontece na vida ordinária é vão e fútil ....As coisas que mais frequentemente ocorrem na vida, estimadas como o supremo bem pelos homens, a julgar pelo que eles praticam, reduzem-se, efetivamente, a estas três, a saber, a riqueza, as honras e o prazer dos sentidos. Com estas três coisas a mente se distrai de tal maneira que muito pouco pode cogitar de qualquer outro bem. ... Assim, parecia claro que todos esses males provinham disto – que toda felicidade ou infelicidade reside numa só coisa, a saber, na qualidade do objeto ao qual nos prendemos pelo amor. De fato, nunca surgem disputas por coisas que não se ama; nem há qualquer tristeza se as perdemos; nem inveja, se outros a possuem;nenhum ódio e, para dizer tudo numa palavra, nenhuma pertubação da alma (animus). Ao contrário, tudo isso acontece quando amamos coisas que podem perecer, como são aquelas que acabamos de falar. Mas o amor das coisas eternas e infinitas nutre a alma de puro gozo, isento de qualquer tristeza..."

domingo, 15 de agosto de 2010

Um tantinho de Vínicius de Moraes

Pátria Minha


 

A minha pátria é como se não fosse, é íntima

Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo

É minha pátria. Por isso, no exílio

Assistindo dormir meu filho

Choro de saudades de minha pátria.


 

Se me perguntarem o que é a minha pátria, direi:

Não sei. De fato, não sei

Como, porque e quando a minha pátria

Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água

Que elaboram e liquefazem a minha mágoa

Em longas lágrimas amargas


 

Vontade de beijar os olhos de minha pátria

De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos

Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias

De minha pátria, de minha pátria sem sapatos

E sem meias, pátria minha

Tão pobrinha!


 

Por que te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho

Pátria, eu semente que nasci do vento

Eu que não vou e não venho, eu que permaneço

Em contato com a dor do tempo, eu elemento

De ligação entre a ação e o pensamento

Eu fio invisível no espaço de todo o adeus

Eu, o sem Deus!

Tenho-te no entanto em mim como um gemido

De flor; tenho-te como um amor morrido

A quem se jurou; tenho-te como uma fé

Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito

Nesta sala esrangeira com lareira

E sem pé-direito


 

Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova

[Inglaterra

Quando tudo passou a ser infinito e nada terra

E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu

Muitos me Surpreenderam parado no campo sem luz

À espera de ver surgir a Cruz do Sul

Que eu sabia, mas amanheceu...


 

Fonte de mel, bicho triste, pátria minha

Amada, idolatrada, salve, salve !

Que mais doce esperança acorrentada

O não poder dizer-te: aguarda...

Não tardo !


 

Quero rever-te, pátria minha, e para

Rever-te me esqueci de tudo

Fui cego, estropiado, surdo, mudo

Vi minha humilde morte cara a cara

Rasguei poemas, mulheres, horizontes

Fiquei simples, sem fontes


 


 


 

Pátria minha ... a minha pátria não é florão, nem ostenta

Lábaro não; a minha pátria é desolação

De caminhos, a minha pátria é terra sedenta

E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular

Que bebe nuvem, come terra

E urina mar.


 

Mais do que a mais garrida a minha pátria tem

Uma quentura, um querer bem, um bem

Um libertas quae sera tamen

Que um dia traduzi num exame escrito:

"Liberta que serás também"

E repito!


 

Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa

Que brinca em teus cabelos e te alisa

Pátria minha, e perfuma o teu chão...

Que vontade me vem de adormecer-me

Entre teus doces montes, pátria minha

Atento a fome em tuas entranhas

E ao batuque em teu coração.


 

Não te direi o nome, pátria minha

Teu nome é pátria amada, é patriazinha

Não rima com mãe gentil

Vives em mim como uma filha, que és

Uma ilha de ternura: a Ilha

Brasil, talvez.


 


 

Agora chamarei a amiga cotovia

E pedirei que peça ao rouxinol do dia

Que peça ao sabiá

Para levar-te presto este avigrama:

"Pátria minha, saudades de quem te ama ...

Vínicius de Moraes".