sou tudo que sinto enquanto me faltas
e é quando sonegas tua voz que te
conheço
à sombra do medo durmo sossegada
na parecença do breu construo pássaros
de papel
com suas asas imóveis e olhar gradeado
nas noites quietas, mais é abundante o
orvalho
a respiração de nuvens brancas
pede água a plenos pulmões
porque desfrutei de um solo fértil
jamais me perdoarei o fracasso em
cultivá-lo
no tempo ávido que devora com
mandíbulas cínicas
sou minha própria plateia
lá fora, cães ferozes rosnam por
liberdade
mesmo com todo o seu perigo
será que vou encarar minha morte
sem jamais ter sentido que vivi?
quantas mortes a cada escolha evitada,
em cada pensamento natimorto
há um quanto de verdade que se
consegue suportar
já que a visão da descoberta
pode trazer à tona a vontade de
arrancar os próprios olhos
quero ser condenada a escapar da vida
perigosamente segura
abrir à porta uma pequena fresta
não me desvencilhei daquela primeira
pele
e ainda assim, permaneço predadora
minha autoconsciência vem tarifada
pelo desespero
e a inocência me matou de fome
se me afasto do conforto do rebanho
não estou fadada a uma vida vigilante
tal qual aquela de um mentiroso?
falo comigo não muito alto
temendo escutar tudo que digo
acumulo mentiras em uma poça estagnada
que evapora ao sol do meio-dia
(de BREU RENDADO)